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Contos e ditos

A escrita é aquilo que eu sou. Por vezes, escrevo contos, outras vezes desabafos, um ou outro texto breve, alguns dias, poemas. Eu encontro-me na prosa, perco-me na poesia. Sempre de um jeito livre, simples e despretensioso, porque eu sou assim.

Contos e ditos

A escrita é aquilo que eu sou. Por vezes, escrevo contos, outras vezes desabafos, um ou outro texto breve, alguns dias, poemas. Eu encontro-me na prosa, perco-me na poesia. Sempre de um jeito livre, simples e despretensioso, porque eu sou assim.

09
Ago18

Amor assimétrico

Inês Aroso

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Era uma sexta-feira à tarde, quando Ruth comprou uns lápis de cor na papelaria. Eram 24, reluzentes e coloridos, como a vida deveria ser. Aparentemente, Ruth, de 39 anos, já passara da idade de pintar, mas desde que lhe disseram que era uma nova terapia anti-stress, começou a colorir livros e desenhos. Passados uns dias, quando alinhava os lápis de cor na caixa, reparou que nem todos estava iguais: uns estavam mais afiados do que outros, uns estavam maiores do que outros. Aliás, nenhum estava do mesmo tamanho. Pôs-se a pensar, nas razões para aquela assimetria. Era simples, a explicação: uns pintavam melhor do que outros, não escolhia sempre as mesmas cores, mas havia algumas de que gostava mais, o que podia mudar consoante o estado de espírito.

Para além da explicação lógica, o lado emocional de Ruth fez logo uma analogia com o amor. Encontrou-se com Sílvia e contou-lhe essa descoberta:

- O amor é uma caixa de lápis de cor.

A amiga riu-se. Estava preparada para mais uma teoria de Ruth:

- Ai sim, o amor é colorido?

Ruth explicou:

- Não é bem isso... Já reparaste que não amamos todos por igual? E que há amores que se desgastam, dia após dia, e são esses que queremos? E que há amores que esquecemos, por mais bonitos que sejam?

- Falta de coragem para arriscar novas cores? - provocou Sílvia.

- Não é falta de coragem... É que a vida nem sempre nos deixa usar a cor que nós queremos, aquela que, na verdade, mais gostamos e iria, de facto, colorir-nos.

- Há as cores básicas, que usamos por comodidade, e as cores mais arriscadas, às quais só nos atiramos se estivermos muito apaixonadas... ups... inspiradas - alinhou a amiga, desta vez.

- Começas a perceber a minha ideia... Mas espera, tenho que contar outra coisa importante: sabes que é muito triste quando os lápis que mais usamos não são sequer os que mais gostamos? Por exemplo, usamos o amarelo ou o azul porque sabemos que ficam bem no desenho e o que queríamos, mesmo, era pintar a flor de roxo e o sol de vermelho.

- Ai, os amores politicamente corretos... e os outros!

- Mais do que isso, minha amiga, os amores possíveis e os amores impossíveis. Aqueles amores que nos fazem parecer loucas... Em vez de pintar o cão de castanho, pintar o cão de verde garrafa, por exemplo...

- Traz-me os lápís! Deste-me uma ideia!

Ruth tirou os lápis do saco e Sílvia rabiscou no guardanapo, num vermelho garrido: "Diz-lhe que o amas e deixa-te de tretas." Ruth respondeu-lhe, do outro lado da folha, num azul celeste: "Ele sabe. Eu sei. Só que não dá. E eu não sei esquecer". Perante um silêncio embaraçoso, e depois de mais um café, as amigas despediram-se.

No dia seguinte, ao acordar, Ruth tinha uma surpresa na caixa do correio: um embrulho, deixado por Sílvia. Abriu-o rapidamente e lá tinha apenas duas coisas: uma borracha e um recado: "Se houver um desenho que não podes colorir, apaga-o...".

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