A escrita é aquilo que eu sou. Por vezes, escrevo contos, outras vezes desabafos, um ou outro texto breve, alguns dias, poemas. Eu encontro-me na prosa, perco-me na poesia. Sempre de um jeito livre, simples e despretensioso, porque eu sou assim.
A escrita é aquilo que eu sou. Por vezes, escrevo contos, outras vezes desabafos, um ou outro texto breve, alguns dias, poemas. Eu encontro-me na prosa, perco-me na poesia. Sempre de um jeito livre, simples e despretensioso, porque eu sou assim.
Parecia um dia normal. De súbito, ficou sem ar. Não queria estar mais ali fechada. Naquela sala. Naquela aldeia tacanha. Naquela relação moribunda. Vestiu o seu melhor vestido. Pôs o baton vermelho. Pousou a chave de casa na entrada. E foi despejar o lixo.
Desmoronar. Não é um verbo. Não é uma palavra apenas. É quando a realidade nos apaga os sonhos. Como se eles fossem desenhados a lápis. Ou um castelo de cartas que cai. Fácil e rápido, mas não indolor. De repente, os sonhos são uma folha em branco que vemos sempre que abrimos os olhos ou um monte de estilhaços de vidro que nos ferem sempre que caminhamos.
É preciso uma coragem tremenda para ousar desenhar ou construir um novo castelo de sonhos. Não a tenho ainda, confesso. Talvez um dia, consiga... Agora, deixa-me chorar, deixa-me gritar, deixa-me fugir, deixa-me curar as feridas. Eu volto... Como o mar.
Desde criança, Cecília tinha um fascínio por pontes. Quando viajava para o Algarve, com os pais, nas férias de Verão, fazia questão de saber os nomes de todas as pontes pelas quais passavam. O pai brincava: "Olha que a ponte cai se disseres uma mentira...". E ela ria-se, encantada com os sons, as paisagens e as estruturas, que só nas pontes encontrava.
Cecília foi crescendo e com ela a vontade de visitar outras cidades, outros países, atravessar novas pontes. Curiosamente, nunca quis ser engenheira nem arquitecta. Nunca projectou ou desenhou uma ponte. Mas desenhou muitas, escreveu sobre algumas, fotografou quase todas. Descobriu que algumas quase caíam com o peso de cadeados e juras de amor, outras serviam para alguém pôr um ponto final à vida, outras eram pontes com História, outras eram locais de paragem obrigatória para selfies, outras eram ligadas a lendas ou superstições, outras eram simplesmente pontes. Algo todas tinham em comum: eram sempre a união entre duas margens.
Quando festejou 60 anos, os amigos e a família ofereceram-lhe um bolo em forma de ponte gigante. Ela riu-se às gargalhadas... A neta mais velha, Mariana, de 12 anos, perguntou-lhe: "Nunca percebi porque gostas tanto de pontes, avó... Podes explicar-me?". Cecília ficou com um ar mais sério, surpreendida com a pergunta da neta, mas confessou: "As pontes sempre me mostraram que, como em tudo na vida, há dois lados. A beleza das pontes está na união que simbolizam entre lados opostos. Como se nada fosse impossível de ligar e harmonizar. Há que fazer a travessia, seja devagar, com pressa, mas é sempre possível chegarmos de uma margem à outra. Às vezes ficamos parados na ponte, outras vezes as pontes caem, outras sentimo-nos marginais. Nem todas as pontes são iguais, mas cabe-nos a nós atravessarmos as pontes que nos surgem na vida, escolhermos essas pontes e, muitas vezes, sermos essa pontes. Não somos pontes em betão, em pedra, em metal, ou em vidro... somos pontes feitas do amor que damos e recebemos".
Fez-se silêncio, na sala. Algumas lágrimas e olhos brilhantes iluminavam os rostos atentos. A neta mais nova, Clara, de 5 anos, interrompeu aquele impasse: "Pois bem, avó, acabo de descobrir que esta ponte é feita de chocolate, ainda bem que não é de pedra", enquanto enfiava os dedos no bolo. Entre um ralhete da mãe e a gargalhada geral, a pequena Clara, de lábios esborratados com chocolate, beijou a bochecha da avó. E assim, mesmo sem perceber a explicação, reforçou a ponte de doçura e amor que as unia.