A escrita é aquilo que eu sou. Por vezes, escrevo contos, outras vezes desabafos, um ou outro texto breve, alguns dias, poemas. Eu encontro-me na prosa, perco-me na poesia. Sempre de um jeito livre, simples e despretensioso, porque eu sou assim.
A escrita é aquilo que eu sou. Por vezes, escrevo contos, outras vezes desabafos, um ou outro texto breve, alguns dias, poemas. Eu encontro-me na prosa, perco-me na poesia. Sempre de um jeito livre, simples e despretensioso, porque eu sou assim.
Menção Honrosa no Concurso de Natal(idade), na categoria Humor e Amor
Ela - Porque somos casados à primeira vista???!!!! Ele - Porque nos metemos no Vinho do Porto! Ela - Não... eu acho que te conquistei pelas cuecas... Ele - Ah!!!! aquelas... as da avó? Ela - Sim... Ele - Tipo rabanada feita de pão velho. Ela - Arruinaste o meu sonho! Ele - Qual? Aqueles que fizeste no último Natal e que tinham brinde? Ela - O brinde é no bolo rei, meu coscurão. Ele - Posse ter orelhas de abade mas sei bem que a torre eiffel que trinquei me levou o canino. Ela - Com essa tua conversa só me apetece ganir. Ele - Mon Chérie... Ela - Sim, Ferrero Rocher. Ele - Mas há espírito de... Ela - Espírito, só se for o santo. Há mais de uma década que não vejo as estrelas.
A viagem até à casa que o vira nascer tinha sido longa, e mal João estacionou na larga entrada empedrada não conseguiu evitar um sorriso. Natal ali era o verdadeiro Natal, já conhecera Natais de outros géneros e não lhe tinham sabido a nada. Ali é que estava a mãe, as tias e os primos (ainda implicavam uns com os outros como se fossem miúdos!) e ali estava também Teresinha, a governanta da casa que era quase como uma segunda mãe.
Entrou pela porta da cozinha, quase sempre aberta, confiante na pacatez dos habitantes da aldeia, e o cheiro a açúcar e canela entrou-lhe pelo nariz sem pedir licença.
- Teresinha! – gritou, abraçando a senhora com força pela cintura, enquanto ela se tentava soltar do aperto repentino.
- Ai, menino, ganhe juízo, que já não tenho idade para estas coisas! Os olhos de Teresinha brilhavam, agora, ao ver o “seu” menino de volta a casa. Fazia-se sempre de durona, mas no fundo era um coração mole.
- Já temos doces prontos? – perguntou João, agarrando num pedaço de pão e metendo-o à boca com sofreguidão.
– Estou cheio de fome! Mal teve tempo de mastigar o pão e, ato imediato, dirigiu-se ao balde do lixo para se ver livre dele, com uma careta.
- Este pão é horrível!
- As rabanadas são feitas com pão velho, menino! Está fartinho de o saber! Agora deixe-se de palhaçadas e chegue-me aí esse vinho do Porto, sim?
João esticou a mão e alcançou a garrafa que lhe estava próxima. Antiga, fazia parte da larga coleção de vinhos que os avós tinham deixado, como a tantas outras coisas, quando haviam partido. Abriu a tampa e cheirou o conteúdo, que lhe trouxe à memória Natais passados, como aquele em que os primos tinham feito um espectáculo cómico com as cuecas da avó na cabeça. A cara da avó quando os vira naqueles preparos tinha sido impagável… o pior fora arrumar a gaveta que haviam remexido até estar tudo impecavelmente organizado de novo, mas valera a pena! Os primos mais novos já não têm os mesmos interesses que ele e os pais deles tinham. É vê-los chegar munidos de todo o tipo de aparelhos tecnológicos, ligados a estranhos de todo o mundo e desligados daqueles que verdadeiramente interessam. Vale que o Jorge, para este ano, instituíra a proibição de aparelhos electrónicos de qualquer tipo, incluindo da televisão.
- Menino, continuo à espera desse vinho do Porto! Depois não se queixe se não houver rabanadas!
João entregou-lhe a garrafa e sorriu àquela falsa dureza. Teresinha tinha-o ajudado a criar e nutria por ela um carinho enorme. Mulher trabalhadora toda a sua vida, ela e o marido, contava ela, tinham sido casados à primeira vista. João ainda tentara corrigi-la e dizer que havia sido “amor à primeira vista”, mas ela prontamente lhe explicara que não, que nunca o havia sequer visto antes do casamento arranjado, por isso era mesmo “casados à primeira vista”. Aprendera a gostar do marido, dizia, a respeitá-lo e a ajudá-lo no que fosse, nada daquilo que se vê agora, que os casais não duram nada porque não há esforço nem respeito.
Assim que o marido morrera, Teresinha assumira aquela casa como se fosse verdadeiramente sua, e de tudo fazia para que nada falhasse e para agradar a todos. Isso via-se em detalhes pela casa toda, nos arranjos de flores frescas da época que embelezavam invariavelmente determinados pontos da casa ou o facto de ter o cuidado de cozinhar os pratos preferidos de cada um dos visitantes da casa.
O som das rabanadas a fritar trouxe a João um conforto que lhe inundou a alma de um calor bom, reforçado pelo ruido do motor do carro que acabava de chegar e ainda se fazia ouvir lá fora. Não sabia quem seria, mas fosse quem fosse era família, era querido e vinha de longe para se juntar a ele e aos outros ali, no seu ninho seguro, perfumado de açúcar e canela e quente da enorme lareira que iluminava a sala e do fogão a lenha que cozinhava iguarias escondidas pelas tampas das panelas. Fosse quem fosse era mais uma peça no puzzle único da família que se iria completando pela tarde fora, até os faróis dos poucos carros a cruzarem a serra serem as únicas luzes naquela aldeia quase perdida. Era mais um Natal a começar e João tinha a certeza de que seria perfeito.
Era véspera de Natal… A minha avó estava muito atarefada com a ceia. O meu avô ajudava a minha avó e entre uma coisa e outra a garrafa dos Três Velhotes lá ia ficando vazia. O meu avô estava muito contente. Assobiava e cantarolava… petiscava e mais um gole dos Três Velhotes… olhava para mim e piscava-me o olho… o meu avô gostava mesmo do Natal, pensava eu.
E que cheirinho estava naquela velha cozinha! O meu avô partia o pão velho às rodelas e cantarolava. A minha avó mergulhava o pão velho numa bacia com chá preto, vinho do porto, açúcar e mel. Depois pegava no pão e passava noutra bacia com ovos, vinho do porto, açúcar e mel. Por fim, a minha avó metia o pão velho num grande taxo a fritar!… Chamavam-lhe rabanadas àquele pão velho frito polvilhadas com canela. E o cheiro corria toda a casa. E depois das rabanadas, fizeram os formigos e aletria! Toda a tarde a preparar a ceia. Que trabalheira!
- O natal é uma festa muito importante – disse-me o meu avô – Sabes porquê, Zezito? – piscou-me o olho.
Eu escutava-o muito atento.
- Neste dia nasceu o Menino Jesus em belém e por isso temos que fazer uma festa! – disse-me ele.
Que estranho pensava eu. No meu aniversário havia apenas um bolo e cantava-se os parabéns a você. Não havia rabanadas, nem formigos, nem aletria. O Menino Jesus devia ser uma criança muito especial.
- À meia noite o Menino Jesus vem por uma prenda no teu sapatinho – voltou-me a piscar o olho.
Que estranho, pensava eu mais uma vez. Quando fazemos anos o pai e a mãe, o avô e a avó, o tio e a tia, dão-nos prendas… o Menino Jesus faz anos e vem a nossa casa dar-nos prendas… que coisa tão estranha! O Menino Jesus devia ser mesmo uma criança muito especial.
- Não te esqueças de por o teu sapatinho junto a chaminé – continuou ele –é por lá que ele entra!
Mais uma coisa estranha que o Menino Jesus faz. Porque é que ele entra pela chaminé e não pela porta como todas as pessoas? O Menino Jesus não deve bater bem da cabeça!
A minha avó sorria. O avô beijou a avó e piscou-me o olho. Até os Três Velhotes da garrafa pareciam contentes. Nunca vi os meus avós zangados. Era um casal feliz. Diria mesmo que eram casados à primeira vista!
As batatas e o bacalhau estavam a cozer na panela de três pernas no lume da lareira quando chegaram os tios e as tias, mais os primos. O pai e a mãe chegaram logo depois. O avô trouxe copos e ofereceu-lhes os Três Velhotes. Estavam todos muito contentes! O aniversário do Menino Jesus era mesmo um dia especial.
- Todos para a mesa – gritou a avó da sala de jantar.
Estavam todos muito animados. Comiam as batatas com bacalhau e bebiam. Depois das batatas e do bacalhau, vieram para a mesa as rabanadas, os formigos e a aletria. Todos conversavam e riam. O meu avô de todos é o que estava mais alegre. Estava sempre a piscar-me o olho e ria. Eu começava a ter sono. Já era tarde e nada de cantar os parabéns a você ao Menino Jesus.
- Zezito não te esqueças do teu sapatinho junto à chaminé! – lembrou-me o avô.
O relógio batia as 12 badaladas. Já é meia noite! Será que o menino Jesus já veio por a prenda no meu sapato, perguntava-me. Saltei da cama e pé ante pé, dirigi-me para a porta da cozinha. Abri-a devagarinho sem fazer muito barulho e corri para junto da chaminé. Às apalpadelas tentava encontrar o meu sapato e encontro um pé… Um calafrio percorreu-me a espinha. Olho para cima e vejo alguém com um grande rabo vestindo as cuecas da avó…
- Menino Jesus? – gaguejei.
Virou-se de frente para mim… Aquela grande pança redonda, aquelas bochechas rosadas e aquele grande sorriso que eu tão bem conhecia.
- Avô! – gritei.
À minha frente, lá estava toda a família à volta da lareira. O meu avô, de copo na mão, piscou-me o olho.
- Zezito, não te esqueças de por o teu sapatinho junto da chaminé – exclamou.
Foi um pesadelo… sim, um grande pesadelo… nunca tinha tido um pesadelo assim… ufa! O avô com as cuecas da avó! O melhor será esperar que amanheça!
Sabia que este dia chegaria. Que ias ter o teu primeiro desgosto de amor. Sabia que era inevitável. Não tinha receitas, não tinha conselhos, sabia que não tinha remédio, nem sequer uma vacina! Arde muito, dói que se farta, nunca te vais esquecer da pequena (que agora te parece grande) cicatriz que fica depois deste golpe inicial.
Tinha a certeza que no dia que te acontecesse te iria ouvir, se quisesses falar, abraçar, respeitar o teu silêncio e as tuas lágrimas. Mas só tu e um tal de tempo podem ajudar a curar. Por muito ridículo e impossível que te pareça neste momento, a dor vai passar.
Aliás, isto vai fazer-te mais forte e preparar-te para muitos outros desgostos de amor. Sim, porque vais apaixonar-te mais vezes. Vais ter medo, às vezes, porque não te queres desiludir e sofrer. Mas vive o amor! Um coração grande e lindo como o teu tem seguro contra todos os riscos! Uma coisa te garanto, só os corajosos têm desgostos de amor, porque dão a alguém um pedacinho do seu coração. O amor não é para os fracos!
Não gosto que me vejam triste. Fujo das pessoas que sei que ficarão magoadas por verem que o meu sorriso, por muito genuíno que seja não esconde a tristeza, que se esconde, lá no fundo, no olhar. Evito que me olhem nos olhos. Falo de banalidades, oculto fragilidades. Disfarço a sonolência, o sofrimento e o cansaço. Faço um esforço por parecer eu mesma.
Sim, porque acredito que, debaixo da dor, dos medicamentos, do desânimo, das capacidades diminuídas, estou eu: a guerreira, de coração gigante, teimosa, gulosa, sonhadora, com algum mau-feitio, impulsiva, de lágrima fácil, tanto a chorar como a rir... pois sou uma rainha do drama, mas também do humor!
Não estou no cimo da montanha que me viram escalar, a muito custo, ao longo dos últimos anos. Não estou no fundo, caída, como já estive. Estou num abrigo, algures na subida, a recuperar. Por vezes tenho que descer, para voltar a subir. Nesta dura caminhada, é curioso ver quem vejo passar, quem me evita, quem me acompanha, quem me despreza, quem me dá algum alimento, força e ânimo.
Um dia voltarei ao cume. E sei que lá só encontrarei os verdadeiros amigos. Porque no topo da minha montanha só chega quem dá e recebe amor.