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Contos e ditos

A escrita é aquilo que eu sou. Por vezes, escrevo contos, outras vezes desabafos, um ou outro texto breve, alguns dias, poemas. Eu encontro-me na prosa, perco-me na poesia. Sempre de um jeito livre, simples e despretensioso, porque eu sou assim.

Contos e ditos

A escrita é aquilo que eu sou. Por vezes, escrevo contos, outras vezes desabafos, um ou outro texto breve, alguns dias, poemas. Eu encontro-me na prosa, perco-me na poesia. Sempre de um jeito livre, simples e despretensioso, porque eu sou assim.

29
Jun18

A culpa é da saudade

Inês Aroso

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Não sei se é porque se aproxima o teu aniversário: 5 de julho.Gostavas tanto de juntar a família toda. Era a tua melhor prenda...

Não sei se é porque resolveram pôr um escorrega-piscina na rua com o teu nome, por estes dias. Gostavas tanto que fizessem coisas novas na tua amada terra. Deves estar divertido, a espreitar.

Não sei se é, simplesmente, porque tenho tantas coisas para te contar. E a cada dia que passa, sinto que me habituei à saudade. Mas que ela já mora em mim. Havias de gostar de ler o que tenho escrito (espero eu). Havias de gostar de ler o que a tua neta tem escrito (herdou a nossa paixão pelas letras e, além disso, desenha e pinta muito bem...)

Devias gostar de ver os teus bisnetos todos, no teu aniversário, gabar as suas habilidades, mimar os teus netos com os teus elogios exagerados, beijar os teus filhos com carinho, dedicar umas palavras de amor à tua Ana Maria.

Tenho saudades tuas. Temos todos, na verdade. Mas ficas sempre assim, mais perto de mim, quando escrevo. Não exageres, não sou uma escritora de mão-cheia. Apenas gosto de escrever. Como tu, compreendo o poder da escrita: faz-nos crescer, ajuda-nos a vencer os medos e a tristeza, a sonhar, a dar ao mundo o amor que brota dos nossos corações, em forma de palavras.

Sinto-te perto, avô António. E sorrio para ti. Às vezes, converso contigo. Sei que me estás a ouvir e a ler, sempre. Mas mesmo assim, caramba, desculpa, fazes-me muita falta...

 

 

16
Jun18

Perpendicular 42

Inês Aroso

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Sinto o mar do norte.

Sinto os pés na areia.

Sinto os cabelos ao vento.

Sentirei a boa nova.

 

Sou grata.

Sou simples.

Sou amada.

Serei nortada.

 

(15 de junho de 1976)

08
Jun18

Partidas e chegadas

Inês Aroso

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Fechou a porta. Sem pressas. Com solenidade.

Pegou nas duas malas e entrou no elevador. Um suspiro. Carregou no botão do piso 0.

Lá fora, a chuva intermitente fê-la caminhar mais rapidamente para o táxi que a esperava. O motorista colocou as malas na bagageira e ela sentou-se, por fim, no banco de trás.

Olhou para a chave da casa que já fora sua, que agarrava, com força, na mão esquerda. Tinha as marcas da chave na palma da mão. Como tinha a memória pejada de marcas de 15 anos de histórias naquela casa.

Guardou a chave. Olhou pela janela uma última vez. Tencionava nunca mais voltar ali. Onde fora tão feliz. Mas também onde fora tão infeliz.

Quando chegou ao aeroporto, Filipa e Sandra esperavam por ela. As lágrimas, que, até então, conseguira manter guardadas, escorregaram, teimosas. As amigas não a tinham deixado ir sem uma despedida lamechas. Ela tinha pedido para não irem, porque emocionava-se muito nas despedidas em aeroportos. Mas elas sabiam que, lá no fundo, ela precisava daquele abraço. Fizeram piadas, tiraram selfies e ficaram com ela até esta entrar na sala de embarque.  No final, ofereceram-lhe um presente, que parecia um livro, que ela só poderia abrir no destino. 

Depois de várias horas de viagem, quando finalmente chegou ao hotel onde iria passar a semana seguinte, enquanto não começava o novo emprego e ia para a nova casa, deitou-se na cama, exausta e acabou por adormecer.

Quando acordou, com os raios de sol auspiciosos a aquecerem-lhe o rosto, sorriu. Aproveitou o chuveiro do hotel, para lavar corpo e alma e desceu para o pequeno-almoço, esfomeada, como ficava em todas as manhãs felizes. Era a primeira na sala, pois madrugara, e sentia-se verdadeiramente renovada.

De volta ao quarto, lembrou-se do presente das amigas. Sentou-se na cama e desembrulhou a prenda. Afinal, não era um livro. Era um diário. Na primeira página, as amigas tinham escrito, em letras bem grandes, simplesmente isto:

"Hoje é o primeiro dia do resto da minha vida".