A escrita é aquilo que eu sou. Por vezes, escrevo contos, outras vezes desabafos, um ou outro texto breve, alguns dias, poemas. Eu encontro-me na prosa, perco-me na poesia. Sempre de um jeito livre, simples e despretensioso, porque eu sou assim.
A escrita é aquilo que eu sou. Por vezes, escrevo contos, outras vezes desabafos, um ou outro texto breve, alguns dias, poemas. Eu encontro-me na prosa, perco-me na poesia. Sempre de um jeito livre, simples e despretensioso, porque eu sou assim.
Ela e ele. Ele e ela. Ele e ele. Ela e ela. Sem nomes. Com nomes. Com pseudónimos. Sem pseudónimos. Sem regras. A regra é o amor. A história de amor dele e dela. Dele e dele. Dela e dela.
Descobriram-se aos poucos. Descobriram-se rapidamente. Uma conversa improvável. Uma ida ao cinema. Um jantar. Uma tarde na esplanada. Uma madrugada a ver o mar. Um concerto de jazz no parque. Uma peça de teatro. Um passeio pela cidade. Umas horas num motel ao fim da tarde. Um filme em casa dele. Um almoço em casa dela. Não necessariamente por esta ordem. Não necessariamente por ordem alguma. A desordem dos corações é o que conta para esta história. A desordem é a ordem natural da paixão.
Nessa tarde, ele pediu-lhe um beijo. Ela disse-lhe que não. "Os beijos são como as cerejas", avisou-o. Ele riu-se: "São as palavras que são como as cerejas...". Mas ela beijou-o e ele percebeu que, afinal, ela tinha razão. Não basta um. Depois de um vem outro. E outro. Habituado a contar palavras, e não beijos, ele perdeu-se nas contas. Porque a dada altura não se contam os beijos. Não se contam as palavras. Não se contam as cerejas.
Mas cada beijo também é uma palavra. Às vezes palavras soltas. Mas quando a magia acontece, formam-se frases. Criam-se textos. Em forma de poema ou em prosa. Não tendo cuidado, já há um livro a ser lido e descoberto, em cada página, em cada linha.
E, dessa vez, leram um livro, perceberam-lhe os cheiros, sentiram as suas texturas, saborearam as suas histórias e ouviram o virar das páginas e o fechar do livro. Era um livro simples. Sobre cerejas...
Todas as manhãs, antes de sair, Alice, de 44 anos, olhava-se ao espelho.
- Que gorda!
- Que despenteada!
- Que velha!
- Que olheiras!
- Que mal-vestida!
- Que pálida!
- Que...
Numa dessas manhãs, tudo mudou. Ia sentada no metro para o trabalho, consultava as redes sociais e sonhava com as férias. A conversa de duas senhoras de cerca de 60 anos, bem-vestidas, ao seu lado, chamou-lhe a atenção:
- Sabes, Lídia, deitei fora o espelho lá de casa. Estava farta dos palpites dele: "olha as rugas", "olha os sinais", "já foste mais nova"...
- Mas tu estás bem, Paula? Os espelhos não falam...
- O meu fala (ou falava), que Deus o tenha!
- Tens tomado a medicação?
- Até disso deixei de precisar... Sabes, é uma metáfora...
- Eu sei, mas explica-me lá isso...
- Percebi que eu era a minha maior crítica: não ouvia nada de mal dos meus netos, dos meus filhos, nem do chatinho do meu Zé. Era eu, que me boicotava... Sempre a criticar-me e a desconfiar dos elogios se eu só me encontrava defeitos.
- E vai daí, livras-te do espelho?
- Tal e qual... E digo-te uma coisa, ao fim de três semanas já estou muito mais feliz!
- Vamos lá tirar uma selfie, então, para comemorar! Se não, qualquer dia, já nem te reconheces...
- Só se tiveres daqueles filtros que parecemos uma divas... ou uns cães...
Riram-se às gargalhadas e Alice (com muita pena) teve que sair, chegara ao seu destino.
Durante todo o dia, a conversa das duas mulheres deu-lhe que pensar...
Quando acordou, no dia seguinte, resolveu partir o espelho. O marido acordou sobressaltado com o barulho.
- Alice, que se passa? Magoaste-te?
- Não, Filipe, resolvi partir o espelho... Estava farta de o ouvir...
- Deves ter tido um pesadelo... O espelho não fala. Pior: dizem que dá azar, partir espelhos!
- Não sou supersticiosa. Além disso, em vez de me ver ao espelho, prefiro perguntar a ti o que vês, aos miúdos... Quanto muito, vou-me vendo pelas fotos ou nas vidraças.
O marido de Alice achou aquilo muito estranho e que passados 2 ou 3 dias ela iria colocar um espelho novo. Mas não, enganou-se. Passaram-se meses e o espelho continua rachado. A imagem que ele mostra é artística. Perfeito na sua imperfeição. Tal com Alice. Tal como todas as mulheres. Ou quase todas, porque algumas vivem atrás do espelho. E são elas quem mais critica as outras mulheres. Humilham-nas, sempre que podem. Chamam-lhes "magras", "gordas", "baixas", "altas", "descaradas", "velhas", "sem sal", "feias", "claras", "escuras"; desajeitadas", enfim, o rol é extenso.
Por isso, temos que partir os espelhos. Não é preciso irmos buscar os martelos. Podemos simplesmente ignorá-los. E isto significa que basta aceitarmos a nossa imperfeição e não ouvirmos as vozes atrás do espelho.
E este, sim, é o verdadeiro conto de fadas. Não aquele em que um espelho diz quem é a mais bonita do reino. É aquele em que a mulher enfrenta o espelho de frente, sem medos: "Eu sou como sou, linda por dentro e por fora, a opinião dos outros não me interessa".
Lembrei-me que tinha saudades. Saudades dos pêssegos da casa do meu avô paterno. Do sabor dos pêssegos. Do cheiro deles. De comê-los acabados de apanhar das árvores e sentir o sumo a escorrer-me pela face. Do sol que brilha mais quando somos crianças. Do riso dos meus irmãos e dos meus primos. E do meu avô José Maria. Do seu sorriso.
Passaram tantos anos desde que foste embora... Mas sinto saudade da tua bondade sem igual. Das tuas palavras doces e alegres. E de estares sempre a ensinar-me alguma coisa. Mostravas-me a terra, as árvores, os frutos, mas também os livros.
E porque as saudades não escolhem dias especiais, recordo-te hoje, avô José Maria. Leva-me contigo no trator, para os campos, entre risos e cantigas. Mais tarde, senta-me ao teu colo e deixa-me ouvir as tuas histórias e as tuas adivinhas. Afinal, quem era a tua menina das adivinhas? Era eu, pois claro... E era também segura, além de tremendamente feliz, pois nenhum mal do mundo me afligia perto de ti.