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Contos e ditos

A escrita é aquilo que eu sou. Por vezes, escrevo contos, outras vezes desabafos, um ou outro texto breve, alguns dias, poemas. Eu encontro-me na prosa, perco-me na poesia. Sempre de um jeito livre, simples e despretensioso, porque eu sou assim.

Contos e ditos

A escrita é aquilo que eu sou. Por vezes, escrevo contos, outras vezes desabafos, um ou outro texto breve, alguns dias, poemas. Eu encontro-me na prosa, perco-me na poesia. Sempre de um jeito livre, simples e despretensioso, porque eu sou assim.

29
Mar18

"My way"

Inês Aroso

Sentadas no café do costume, Maria e Teresa conversam animadamente sobre banalidades, até que o tema se desvia...

- "Se o mundo acabar amanhã, o que deixas por fazer?", pergunta Maria.

- "Ai, tanta coisa... Queres a lista?", suspira Teresa.

- "Então, faz... imagina que o mundo acaba e tu com essa lista de desejos por cumprir", sorri Maria.

- "E tu, fizeste tudo o que querias?", contrapõe Teresa.

Um silêncio estranho toma de repente conta do espaço e do tempo da conversa entre as duas amigas. Maria não responde e os olhos brilham. Disfarça, bebe mais um pouco do sumo de laranja e responde:

- "Não, mas creio já não ir a tempo... É tarde demais".

- "Ah, pois, falar é fácil, e queres que eu cumpra a minha lista interminável... Temos a mesma idade!", riu-se Teresa.

- "Tenho que te contar de uma vez: ontem fui ao médico por causa das dores de cabeça. É um tumor inoperável. Devo ter poucos meses de vida. Semanas, dias, não sei... Não quero que tenhas pena de mim, quero que me prometas que farás tudo o que quiseres, que viverás por ti e por mim".

Teresa não consegue reagir verbalmente. De boca aberta, sente as lágrimas escorrerem-lhe pelo rosto, silenciosamente, e dá as mãos à amiga. Maria está serena, estranhamente serena. Passam-se uns segundos, que parecem horas, mas Teresa reage, limpando as marcas da tristeza:

- "Tenho aqui papel e caneta. Diz-me tudo o que queres fazer... Nem penses que te deixo ir assim...".

- "Teresa, nem sei quanto tempo... faz tu a tua lista. Ficarei contente se souberes que a vais cumprir".

- "Nada disso, fazemos as duas... Até podemos ter coisas em comum. A não ser que também te queiras declarar ao Gabriel", decide Teresa, referindo-se ao seu eterno amor impossível.

Riem-se e passam duas horas no café a fazer as listas e a rirem... Encontram um ponto em comum: ambas querem andar de parapente! Marcam a data, para o domingo seguinte e combinam ir as duas.

Maria é a primeira a chegar... Sente-se viva, como nunca. Quando Teresa chega parecem duas adolescentes eufóricas. O instrutor de voo, moreno, cabelos despenteados, com pinta de galã, olha-as de alto a baixo com um sorriso atrevido:

- "Nunca vi duas mulheres tão corajosas... e bonitas".

Como um dos desejos de Maria é fazer amor com um desconhecido, Teresa pisca-lhe o olho e diz quase em surdina: "É este... Aproveita enquanto se vão equipar, eu vou fingir que estou indisposta e fico cá fora".

Maria fica corada só com a ideia, mas avança com o plano da amiga... E as coisas realmente acontecem como ela imaginara. E voa... Mesmo antes de estar no parapente. Teresa vê-os a regressarem disfarçadamente e sorri, feliz com a felicidade da amiga.

Seis meses depois, quando Maria parte para a última viagem, Teresa faz um discurso para a família e amigos. Conta-lhes que Maria partiu descansada e feliz. Cumpriu todos os seus desejos. E que a ajudou a concretizar muitos dos seus próprios sonhos. Finalmente, coloca a música que Maria pedira...

 

 

 

 

 

26
Mar18

Fermento

Inês Aroso

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As palavras que não se dizem.

Essas bandidas têm fermento.

Crescem e avolumam-se na forma.

Na forma que é o coração.   

Vão ao forno chamado tempo.

 

Se for preciso, grita-as.

Se não puderes, segreda-as.

Se preferires, escreve-as.

Chora-as, se forem de chorar.

Beija-as, se forem de beijar. 

 

Palavras não são apenas palavras.

São pedaços de nós e dos outros.

As boas invadem-nos os sonhos.

As más transformam-se em pesadelos.

Simplesmente, diz. 

 
14
Mar18

"We all stand together"

Inês Aroso
"De tanto engolir sapos, qualquer dia ainda vomito um príncipe...", suspirou, enquanto entrava em casa.
Pousou as chaves, tirou os sapatos e foi à cozinha.
Pegou num iogurte e numas bolachas e sentou-se no no sofá.
Ligou a televisão.
Tocaram à campaínha.
Levantou-se contrariada.
"Se calhar é o príncipe", ironizou.
Não. Era só um vendedor de telecomunicações.
Lá o conseguiu despachar a muito custo.
Regressou à sala.
Só queria esquecer o dia. E os sapos.
Na televisão, o momento era solene:  

 


 
07
Mar18

Labirinto

Inês Aroso

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Parei à entrada do labirinto, onde li, bem alto, o aviso:

"Escreve como quem escreve para um filme. Não escrevas como quem escreve para ser lido".

Se as palavras me prenderam a ti, só as palavras me podem libertar, pensei.

Faço um esforço, reaprendo a escrever.

Mas escrever é um vício em mim, ele mesmo cheio de vícios.

Devagar, começo a procurar ver as palavras, mais do que as sentir e explicar.

Faço um esforço e começo a ver para além delas. 

Há uma cena. 

Um som.

Um plano. 

Uma música. 

Um olhar. 

Uma voz. 

Um toque.

Um diálogo.

Um suspiro.

Uma tatuagem.

Não te vejo.

Vejo-te.

És tu.

Sempre tu.

Quando escrevo, escrevo-te, escrevo-me.

E perco-me, uma e outra vez. 

 

01
Mar18

Uma luta desigual

Inês Aroso

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A luta contra a injustiça.

A luta contra a mediocridade.

A luta contra a inveja.

A luta...

 

Canso-me de lutar.

Canso-me de gritar contra os maus.

Canso-me do silêncio dos bons.

Canso-me...

 

Não vejo os frutos desta luta pelo bem.

Não vejo a recompensa merecida.

Não vejo um final feliz.

Não vejo...